Do campinho à várzea: como Avaí e Figueirense garimpam um novo Filipe Luís na base em SC

As categorias de base são o ponto de partida para futuros craques do futebol brasileiro. Das escolinhas à várzea, Santa Catarina é um celeiro de jogadores que hoje representam o Estado mundo a fora. E os exemplos não são poucos.

Categorias de base: o início de tudo para os clubes – Foto: Reprodução/Internet/ND

E dentro desse contexto entram Avaí e Figueirense. Os dois clubes de Florianópolis foram ponto de partida para atletas que ganharam o mundo: Gabriel Magalhães (Arsenal), Filipe Luís (ex-Atlético de Madri e Flamengo) e Roberto Firmino (ex-Liverpool) — o atacante foi a principal revelação do futebol catarinense na última década e chegou a valer 90 milhões de euros, em 2019.

Dos três, Filipe Luís se aposentou na quarta-feira (6). O lateral começou no Figueirense em 2004 e partiu para Espanha após idas e vindas entre o alvinegro e o Ajax. Ele chegou a custar 25 milhões de euros, em 2016.

O achado mais recente é do zagueiro Arthur Chaves, que deixou o Leão da Ilha com destino ao Acadêmico Viseu (Portugal). Ele esteve na lista de novembro da seleção brasileira sub-23. O defensor saiu com valor de mercado de 50 mil euros e hoje já vale 2,5 milhões de euros, segundo o Transfermakt.


Filipe Luís, ainda com a camiseta meia-dúzia do Figueirense - Cristiano Andujar/divulgação/ND

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Filipe Luís, ainda com a camiseta meia-dúzia do Figueirense – Cristiano Andujar/divulgação/ND


Roberto Firmino - O craque se destacou pelo Figueirense em 2009, quando foi promovido das categorias de base. Em 2010 foi apontado como revelação do Campeonato Catarinense e da Série B do Brasileiro. - Cristiano Andujar/divulgação/ND

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Roberto Firmino – O craque se destacou pelo Figueirense em 2009, quando foi promovido das categorias de base. Em 2010 foi apontado como revelação do Campeonato Catarinense e da Série B do Brasileiro. – Cristiano Andujar/divulgação/ND


Gabriel Magalhães, zagueiro do Arsenal revelado no Avaí - Arquivo pessoal/divulgação/ND

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Gabriel Magalhães, zagueiro do Arsenal revelado no Avaí – Arquivo pessoal/divulgação/ND


Arthur Chaves durante o jogo contra o Internacional - Beno Kuster / Avaí FC

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Arthur Chaves durante o jogo contra o Internacional – Beno Kuster / Avaí FC

E o Arena ND+ foi atrás para entender como os clubes da Capital encontram seus futuros talentos, especialmente os escondidos, em comunidades, nos “campinhos” de terra.

Avaí

O Avaí trabalha com atletas de 8 a 20 anos nas categorias de base. Entre 8 e 13 anos, os meninos se enquadram no projeto chamado “iniciação esportiva”.

Giovani Dalla Valle, gerente de mercado do Leão, chegou ao clube em 2022 com a responsabilidade de estruturar o departamento de captação, que engloba base e profissional.

Giovani Dalla Valle, gerente de mercado do Avaí

Giovani Dalla Valle, gerente de mercado do Avaí – Foto: Ian Sell/ND

Até abril daquele ano, o clube tinha apenas um observador para a base, contudo, sem a estrutura necessária para isso.

“Esse observador reportava diretamente ao diretor da base, também envolvido muito na análise interna dos meninos. Era uma espécie de ajuda ao coordenador. Eles tentavam do jeito que dava ir atrás de jogadores”, explica Giovani.

A partir de abril foi criada uma equipe com quatro pessoas. Em paralelo recrutaram três observadores e analistas que assistem vídeos em casa, não ficam no clube. Todos voltados para base e profissional.

“Começamos a estruturar o departamento, recrutamos mais profissionais, um outro que não era da área de captação, mas também conhecia todo o elenco, trouxemos mais um de fora, aproximamos também o Jacaré [ex-jogador do clube] dessa área”, pontua Dalla Valle.

Conhecer SC é fundamental para o processo

Conhecer o contexto local de Santa Catarina foi fundamental para melhorar o processo de captação. Ainda que o clube não “ignore” oportunidades fora do Estado, hoje o foco maior de captação do Avaí é dentro de Santa Catarina.

“Essa foi uma ideia desde o ano passado. Precisamos conhecer o Estado para aí sim entender o contexto local. Tentamos observar tudo, mas o foco maior é em Santa Catarina, principalmente nas idades menores”, explica Dalla Valle.

Em 2023 o clube visitou 67 projetos ao longo do Brasil. Dentro destes projetos estão escolinhas de base, periferias, além de projetos que as próprias prefeituras desenvolvem.

Equipe sub-15 do Avaí – Foto: Leandro Boeira/Avaí F.C/ND

“A captação é baseada muito em relacionamento. Precisa estar na estrada, todo dia em contato, buscar coisas novas e ficar atento a isso”, pontua o dirigente.

Abordagem aos meninos de outras cidades

Se o clube nota que o menino observado já tem um nível para integrar o grupo, parte para uma abordagem de convidar a já fazer parte.

“A gente não fala muito em avaliação porque não são atletas ainda, fazemos algo mais lúdico e educacional sempre com a família”, explica Dalla Valle.

Vale ressaltar que muitos desses atletas já tem representantes ou clubes, então a situação exige uma negociação.

“A maioria das vezes é um convite para a família. A família está sempre ciente e o convencimento é sempre neles. Apresentamos o projeto do Avaí, mostramos que pode ser um bom lugar em Santa Catarina para o menino se formar jogador, além de ter toda a parte escolar que faz parte do pacote”, conta o profissional.

É obrigatório que o clube disponibilize ferramentas para o menino ir à escola e acompanhe o desenvolvimento educional. Além disso, antes dos 14 anos não é permitido que os jovens atletas morem no alojamento.

“Captar meninos de longe com menos de 14 anos é difícil, não tem como fornecer uma moradia para a família. Os clubes são proibidos de alojar meninos abaixo dos 14 anos”, pontua o gerente de mercado.

Estrutura para os meninos na Ressacada

Atualmente o Avaí tem 44 atletas morando no alojamento do estádio da Ressacada: 12 meninos do sub-14, 12 do sub-15 e outros 20 do sub-17.

Segundo o clube, o alojamento está sempre no limite da capacidade com a estrutura para os atletas envolvendo alimentação, moradia, além das questões escolares.

Treino da equipe sub-20 do Leão da Ilha – Foto: Vivi Marques/Avaí F.C/ND

“Todas as refeições são feitas no clube. São cinco: café, almoço, lanche, janta e ceia. No alojamento cada um tem sua cama, serviço de lavanderia, como se estivesse realmente na própria casa”, afirma Dalla Valle.

Além disso, o clube fornece psicólogo e assistente social não só para os meninos como para a família dos atletas.

Abordagem a meninos da periferia: a outra realidade do futebol

Quando roda o Estado e o país o clube se depara com realidades totalmente diferentes. Existem famílias que são muito bem estruturadas e o convencimento diante delas é para mostrar que o Avaí vai fornecer uma condição semelhante a que o menino tem em casa.

“Já as famílias muito carentes, não é nem um convencimento para vir, mas sim uma instrução no sentido de ‘pode dar errado’”, explica Giovani.

“Somos obrigados a falar para as famílias: não deposite todo o sonho da sua vida nesse menino, que acaba virando um atleta, mas que carrega consigo muita pressão da família no sentido de ser a ‘única esperança’. Isso é muito delicado”, prossegue.

“São realidades bem distintas, é necessário todo o cuidado na abordagem. Sempre estamos muito próximos das famílias dando suporte parar tirar todas as dúvidas”, finaliza.

Questão financeira

Os meninos das categorias de base do Avaí recebem uma ajuda de custo a partir dos 14 anos. Segundo o clube, é um contrato de formação até os 16 anos, quando é possível assinar um contrato profissional.

Nem todos os atletas assinam contrato profissional a partir dos 16. O recomendado é que a maioria assine, especialmente os que tem mais potencial.

“A gente se protege [com a assinatura do contrato profissional], o menino também tem uma expectativa dessa assinatura, é só o início, um dos primeiros passos, nada definitivo. É um instrumento de premiação e segurança jurídica”, explica Giovani.

FIGUEIRENSE

O Figueirense vem de um processo de retomada neste período “pós-pandemia”. As categorias de base do clube ficaram desativadas durante os anos de 2020 e 2021.

De acordo com Lucas Klein, responsável pelo departamento de base do clube, o clube enfrentou diversos desafios para a volta do funcionamento.

Lucas Klein, responsável pela base do Figueirense – Foto: Ian Sell/ND

“Primeiro problema foi o financeiro do clube, segundo que ainda voltamos em um processo de fim de pandemia, então não se tinha muitas certezas de calendário e higiene sanitária no alojamento”, explica o profissional.

Além disso, um dos motivos de não ter retornado antes foi não ter alvará para funcionamento de alojamento e transporte para o centro de treinamento. Então foi montada uma operação para que voltasse o sub-20 por ser a categoria mais próxima do profissional.

“A logística ficou difícil. O centro de treinamentos do clube fica em Palhoça, para deslocar atletas na época precisaria sair em dois, três ônibus”, conta Klein.

O clube manteve a base desativada até o início de 2022. Lucas assumiu a coordenação por volta de outubro e novembro de 2021. Outro pronto crucial é que o clube não retomou o alojamento até o fim de 2023 e não tem planos para retomar no próximo ano.

“Em um projeto futuro seria modificada a logística fazendo o alojamento no próprio CT”, explica Klein. O alojamento anteriormente funcionava no estádio Orlando Scarpelli e está desativado.

Retomada da base e resultados promissores em 2022

Segundo o clube, em 2022 ainda existia uma obrigatoriedade da FCF (Federação Catarinense de Futebol) para que os clubes disputassem as competições das categorias sub-15 e 17. “O Figueirense não tinha para onde correr. Foi uma oportunidade de retomar com a base”, afirma Lucas.

O clube então tem essa retomada com os meninos do sub-15. Muitos deles, segundo o profissional, já estavam no clube em 2019 em processos de iniciação na categoria sub-13.

Equipe sub-20 do Figueirense – Foto: Patrick Floriani/Figueirense F.C/ND

“O sub-17 foi tranquilo de montar, tem muitas dispensas pelo Brasil. A maioria dos clubes tem a iniciação, sub-14, 15, mas não tem o 16. O menino já pula para o 17, então dali tem uma dispensa muito grande”, pontua Klein.

O projeto montado para o sub-15 e 17 foi bastante enxuto com relação a modificações estruturais. Os atletas se apresentam diretamente no CFT. Antes da pandemia saia o ônibus do estádio Orlando Scarpelli levando todos os garotos.

Questão financeira ainda é problema

Com o adendo da pandemia e a grave crise financeira que o clube vive, o orçamento atual para as categorias de base é menor em relação ao de anos anteriores.

“Em 2018 o orçamento era cinco, dez vezes maior que o atual. Todo o staff também passou por uma reformulação. Hoje temos três profissionais na base: eu, uma assistente social e o massagista”, conta Lucas.

As comissões técnicas também foram sendo remontadas mês a mês. “Expectativa esportiva, apesar do peso da camisa, não tínhamos, até pelo processo de retomada”, relembra o profissional.

“Curiosamente as coisas saíram muito bem em 2022. Fizemos boas campanha no sub-17 e sub-15. Em pouco tempo percebemos que conseguimos não nivelar, mas competir”, completa.

Hoje o Figueirense tem as categorias sub-14, sub-15, sub-17 e sub-20/21, uma vez que Copa Santa Catarina é sub-21. Hoje o clube tem 80 atletas distribuídos nestas quatro categorias.

Atualmente o Figueirense não tem o futsal instituído, mas pretende retomar em projetos futuros.

Paralelo a isso o clube tem um projeto com as escolas oficiais do Figueirense, hoje agenciadas pelo ex-jogador Genilson. Elas são espalhadas por Florianópolis. São cinco núcleos mais um núcleo de rendimento.

Base do Figueirense passa por reestruturação – Foto: Patrick Floriani/Figueirense F.C/ND

Esse núcleo de rendimento engloba o clube nas competições oficais. “Sul-Brasileiro sub-11, sub-12 e sub-13 são disputados no CFT. Estadual sub-11 e sub-13 também, mas eles não treinam lá. São atletas do Figueirense, mas são gerenciados pela empresa do Genilson”, pontua Lucas.

Atletas moram na região da Grande Florianopolis

Hoje o clube enfrenta um problema grande na captação de atletas de fora pelo fato de estar com o alojamento do estádio Orlando Scarpelli desativado.

Com isso, as categorias sub-14 e sub-15 do clube são compostas 90% por atletas nascidos na região da Grande Florianópolis.

“Alguns acabam se organizando de forma natural, porque lá perto do CT [em Palhoça] é uma região que cresceu muito, tem muitas casas. Muitas famílias se mudam em busca do sonho do filho. Para nós é um apoio interessante”, afirma Klein.

Já no sub-20 alguns garotos já contam com apoio de empresários, além de alguns já terem assinado o contrato profissional.

“Hoje os atletas ganham uma ajuda de custo. Não é o suficiente para morar sozinho, mas aí eles se dividem em dois, três”, explica o profissional.

Captação de meninos de comunidades

Hoje o clube observa atletas também projetos em comunidades, escolas de futsal, além de escolas de Fut7.

“Estamos sempre em contato com prefeituras. Já aconteceu de a prefeitura de Biguaçu entrar em contato com o clube para promover uma peneira, mas lá também estavam olheiros de outros clubes”.

Além disso, hoje o Figueirense viaja para outras cidades ou para fora do Estado desde que o clube não tenha custos com isso.

“O Figueirense atende todo mundo. Telefone não para de tocar. O clube tem um atacante da comunidade da Serrinha que foi captado de forma bem aleatória”, relembra Klein.

Categorias de base do Figueirense

Categorias de base do Figueirense – Foto: Patrick Floriani/Figueirense F.C/ND

“O presidente Tadeu passou aqui e falou do menino que jogava em um projeto. Conseguimos o contato do professor, ele falou que teria um jogo. Fomos até o Paula Ramos, estava tendo um jogo entre esse projeto e outra comunidade. Assistimos ao jogo, na várzea é desparelho, tem meninos de várias idades e esse menino chamou atenção”, prossegue.

“O clube fez o convite, o menino fez a avaliação, foi aprovado. Ainda que de uma forma indireta, conseguimos êxito nesse sentido”, finaliza.

Abordagem a meninos de comunidades

Segundo Klein, o “privilégio de ser o Figueirense” auxilia muito no convencimento aos atletas. “Quando a gente convida o atleta para avaliação, ele conhece o espaço, se impressiona e cria esse vínculo”, conta.

Contudo, a ida ao treinamento acaba sendo a maior dificuldade, embora os atletas recebam uma ajuda de custo para o deslocamento.

“A gente indica para eles minimamente se organizarem em três, quatro para ter diminuição de custos. Mas acaba sendo um investimento da família, isso a gente sabe”, explica Klein.

“Tem uma rede, de um caso extremo, um atleta com potencial, que indicamos a algum empresário de confiança para ajudá-lo. É um duplo interesse”, prossegue.

“Explicamos sempre a situação que o clube não tem alojamento. Se quiser permanecer precisa ter um investimento inicial de se mudar para cá, buscar pousada ou parceiros”, finaliza.

Estudo é fundamental

Hoje o Figueirense sempre faz a “ponte” com as escolas. A assistente social recebe os boletins, realiza as matrículas e recebe demanda das escolas. Esse é um dos fatores para que o clube siga tendo o certificado de clube formador.

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