Presságio: MP vai instaurar inquérito sobre fraudes com pessoas em situação de rua na Fenaostra

Após a Operação Presságio, uma investigação da Polícia Civil de Santa Catarina, divulgada pelo Portal ND Mais, o Ministério Público do Estado instaurará um inquérito civil, nesta sexta-feira (23), para apurar um suposto esquema de fraudes envolvendo a exploração de pessoas em situação de rua para “trabalhar” na Fenaostra, em Florianópolis.

Operação Presságio vai apurar suposto uso de pessoas em situação de rua para estacionamento na Fenaostra

Ministério Público de Santa Catarina vai apurar suposta exploração de pessoas em situação de rua – Foto: Leo Munhoz/ND

Conforme o promotor de Justiça, Daniel Paladino, o Ministério Público solicitará à prefeitura de Florianópolis todas as informações sobre o ocorrido, a fim de entender como essas pessoas foram supostamente envolvidas no esquema.

“Se essas pessoas em situação de rua foram encaminhadas para este ‘trabalho’, isso é ilícito. Quem deu essa ordem? Elas deveriam estar protegidas dentro do abrigo da Passarela da Cidadania”, defende o promotor.

Paladino ainda afirma que será feito um “pente-fino” na prefeitura de Florianópolis para apurar as questões.

A Prefeitura de Florianópolis respondeu ao ND Mais que já está investigando as situações em conjunto com a Polícia Civil.

Como funcionava o esquema?

Mensagens nos celulares dos investigados na Operação Presságio, deflagrada pela Polícia Civil, em Florianópolis, mostram que o grupo alvo do inquérito “se aproveita das mais diversas oportunidades para angariar recursos”.

É o caso do uso de pessoas em situação de rua para cobrar por vagas de um estacionamento clandestino na Fenaostra de 2023, segundo a Polícia Civil. O documento foi obtido com exclusividade pelo Grupo ND.

Os citados na fraude do estacionamento da Fenaostra são Ed Pereira, ex-secretário de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis, e Renê Raul Justino, à época diretor de Projetos da Fundação Franklin Cascaes.

As novas informações surgem após os 24 mandados de buscas e apreensões realizados em janeiro pela Polícia Civil e a partir de análise feitas em celulares, documentos e computadores apreendidos.

“De acordo com a representação, a partir da análise preliminar do aparelho celular apreendido na posse do investigado Renê Raul Justino, foi possível identificar conversas que evidenciam a existência de uma suposta organização criminosa enraizada na Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esporte”, escreve o juiz Vara do Crime Organizado da Grande Florianópolis, Elleston Lissandro Canali.

O juiz definiu os ex-secretários municipais da Capital, Ed Pereira e Fábio Braga, como “supostos membros de organização criminosa”.

O esquema do estacionamento na Fenaostra

Em 3 de novembro de 2023, o estacionamento da Fenaostra foi alvo de conversa em Ed Pereira e Renê. O ex-secretário encaminhou para Renê que o estacionamento do evento, situado em uma área pública, estava sob questionamento da Polícia Militar. Ed comandava a pasta que coordenava a Fenaostra.

Presságio: Ed Pereira é investigado por suposto esquema de exploração de pessoas em situação de rua

Ed Pereira é investigado por suposto esquema – Foto: Diogo de Souza

Segundo a conversa, os militares questionavam a cobrança realizada por máquinas de cartão de crédito particulares, cujo destino dos valores arrecadados era incerto. Renê mencionou ter ordenado a retirada das máquinas para evitar futuras investigações. Veja o diálogo a seguir com as falas na íntegra, sem ajustes:

Ed Pereira: Esse estacionamento que vai livrar as coisas que tenho mais equipe novembro [SIC].

Renê Justino: Outra coisa, que agora que é meio importante, que a PM acabou de sair daqui, né? Cara, os caras fizeram um monte de pergunta, fiquei sem pai nem mãe, joguei pro André, não sabia o nome dele, daí o André ligou na hora, André disse ta vindo aqui, daí os caras queriam saber de quem era o estacionamento, se era particular, se era privado, se tinha maquininha, se a maquininha estava tirando o comprovante, se sai em nome da prefeitura se sai de privado, particular, ele mandou tirar cone da pista, pra deixar só um ou dois aqui. Mandou também é, diz que vai mandar pra cima para ver de quem é esse estacionamento, pra quem que tá indo, pra ver pra quem que tá arrecadando, que pode ser corrupção, e ‘pa e pa pa pa’. Aí eu já dei um toque no André e já recolhi a maquininha, cara. Com certeza eles vão voltar. [SIC]

Renê Justino: Deu ruim, mandei recolher tudo.

Mas foi outro ponto que deixou os investigadores “incrédulos”. Os agentes constataram que os suspeitos utilizavam pessoas em situação de rua para controlar acesso e cobrar no estacionamento clandestino em áreas públicas no evento.

Ed Pereira: Mas ontem deu quantos carros????? Vale o risco??? [SIC]

Renê Justino: Cara, de verdade acho que não vale, ontem deu movimento de dois pila e pouco. É, Kleber chegou, Andrezão sumiu, foi fazer as paradas dele que tinha para fazer na passarela, voltou só depois. Quem tava cuidando dos carros cara era todo mundo de gente de abrigo, os cara estavam ali no albergue, não acho que vale a pena não. [SIC]

Os nomes de terceiros mencionados nos diálogos não são esclarecidos pela Polícia Civil, que sustenta não ter dúvidas de que pessoas em situação de rua eram usadas pelos investigados na fraude do estacionamento.

“A conversa é autoexplicativa, mas, merece destaque que o controle de acesso e cobrança do estacionamento clandestino estava sendo realizado por moradores de rua, que pernoitavam no abrigo, e o recolhimento dos valores feitos por meio de terminal de processamento de dados de cartões de créditos em nome de um dos integrantes da organização criminosa”.

A Polícia Civil ressalta, por outro lado, que “não foi possível, até o momento, confirmar a titularidade, mas fica subentendido que estaria vinculado a conta de Renê Raul Justino”.

“Não há limites para o grupo criminoso realizar desvio de dinheiro público ou obter vantagens indevidas”, diz.

Presságio: Fenaostra também é investigada pela Polícia Civil

Fenaostra é um dos eventos citados no processo da Polícia Civil na Operação Presságio – Foto: Leo Munhoz/ND

O que dizem os citados

Ed Pereira e Samantha Brose: “O material apreendido na busca e apreensão ainda está em análise preliminar. A defesa tem ciência da decisão proferida que renovou o afastamento dos cargos, porém não teve acesso à íntegra das provas objeto de análise. No momento oportuno tudo será esclarecido, com o fito de elucidar o caso e demonstrar a inocência do senhor Edmilson e senhora Samantha. Estamos confiantes que se fará Justiça, ante as infundadas acusações”, diz o advogado Guilherme Fernandes Cirimbelli.

Renê Raul Justino: A defesa de Renê contesta o pedido de prorrogação do afastamento dos investigados, alegando que tiveram acesso apenas ontem às supostas conversas mencionadas pelo Ministério Público. Segundo o advogado Alessandro Marcelo de Sousa, os autos contêm apenas relatórios policiais que mencionam essas conversas, mas estas ainda não foram oficialmente apresentadas aos autos por meio de laudos técnicos.

“A defesa poderá constatar a autenticidade das mídias e a forma como foram adquiridas quando os laudos forem disponibilizados”, diz. Segundo eles, até o momento, a defesa argumenta que não há evidências concretas para uma manifestação segura sobre o caso.

O que é a Operação Presságio?

2021 foi o ano em que iniciou a investigação, em virtude de crime ambiental de poluição que estaria ocorrendo pela empresa Amazon Fort em um terreno, adjacente à passarela Nego Quirido.

17 meses foi o tempo que vigorou o contrato entre Amazon e Prefeitura de Florianópolis, sendo que R$ 29 milhões foi o total pago pela à empresa nos 17 meses do contrato.

Com o andamento das investigações, a Polícia Civil encontrou indícios de outras ilegalidades em contratos públicos e repasses de dinheiro, envolvendo empresários, secretários de Florianópolis e servidores públicos, além de empresas e organizações, como a Amazon Fort e o Instituto Bem Possível.

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